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Cardiopatia Reumática: o que é, sintomas e como é diagnosticada

Cardiopatia reumática ou doença cardíaca reumática é uma complicação tardia da febre reumática aguda, resultando em lesões nas válvulas cardíacas. A febre reumática é uma reação do organismo a uma infecção pela bactéria Streptococcus do grupo A de Lancefield, comum em infecções de garganta ou amígdalas.

Essa condição está frequentemente relacionada à falta de saneamento básico especialmente em regiões mais pobres, seja no Brasil ou em qualquer outro país, e surge quando infecções na garganta não são tratadas adequadamente.

Os sintomas podem aparecer cerca de dez dias após a infecção inicial, afetando articulações, o sistema nervoso central, a pele e, principalmente, o coração.

Além disso, a doença pode se desenvolver após infecções recorrentes ou que não foram tratadas corretamente, levando a danos progressivos no coração, especialmente nas válvulas mitral e aórtica (localizadas no lado esquerdo do coração).

Essas válvulas perdem a capacidade de abrir e fechar corretamente, podendo causar insuficiência ou estreitamento valvar (estenose).

Como se transmite a bactéria Streptococcus pyogenes (estreptococo)

A bactéria Streptococcus pyogenes (estreptococo do grupo A) é transmitida principalmente por:

  • Gotículas respiratórias: espirros, tosse ou fala de pessoas infectadas (principalmente em faringites/amigdalites). Mais comum em ambientes fechados e aglomerados (escolas, creches, transportes públicos).
  • Contato direto com uma pessoa infectada: beijos ou compartilhamento de utensílios (talheres, copos, escovas de dente). Contato com secreções nasais ou de feridas infectadas. Contato com superfícies contaminadas: a bactéria pode sobreviver por horas em objetos como maçanetas, brinquedos ou lençóis, por isso a importância de sempre lavar as mãos ou usar álcool em gel após tocar em locais públicos ou até mesmo na própria casa quando alguém estiver com inflamação de garganta
  • Alimentos contaminados: raro, mas possível através de alimentos manipulados por pessoas infectadas sem higiene adequada.

Fatores que aumentam o risco de ser infectado pela bactéria

  • Idade: 5–15 anos são mais vulneráveis.
  • Sazonalidade: Mais comum no inverno e início da primavera.
  • Condições de vida: Aglomerações e falta de higiene básica facilitam a disseminação.

Como evitar a transmissão da bactéria

  • Higiene das mãos com água e sabão ou álcool em gel.
  • Evitar compartilhar objetos pessoais.
  • Cobrir boca/nariz ao tossir ou espirrar.
  • Tratamento precoce de infecções de garganta com antibióticos (penicilina é a primeira escolha).

É importante deixar claro que nem toda infecção por S. pyogenes causa febre reumática. O risco aumenta com infecções repetidas não tratadas e suscetibilidade genética.

Fatores de risco para cardiopatia reumática

A cardiopatia reumática é uma complicação grave da febre reumática e requer atenção redobrada de pais, pacientes e médicos, pois pode ser fatal em casos graves. Os principais fatores de risco incluem:

  • Infecções Repetidas por Estreptococo: amigdalites ou faringites estreptocócicas não tratadas ou tratadas de forma inadequada. A exposição frequente à bactéria em ambientes com aglomerações (escolas, creches).
  • Idade: mais comum em crianças e adolescentes entre 5 e 15 anos, mas pode ocorrer em adultos jovens.
  • Condições Socioeconômicas e Acesso à Saúde: falta de saneamento básico (água contaminada e higiene precária).
  • Uso incorreto ou interrompido de antibióticos: no tratamento de infecções de garganta (o consumo da terapia medicamentosa por antibiótico deve respeitar a posologia orientada para evitar complicações).
  • Histórico Familiar e Genética: parentes próximos com histórico de febre reumática ou cardiopatia reumática. Algumas pessoas têm maior predisposição genética a desenvolver a doença.
  • Falta de prevenção secundária: todos os pacientes que já tiveram febre reumática devem fazer profilaxia com penicilina para evitar novas infecções e agravamento da doença cardíaca.

Por que esses fatores aumentam o risco?

Infecções de garganta não tratadas permitem que o sistema imunológico ataque o próprio corpo (resposta autoimune), causando inflamação no coração e lesões nas válvulas cardíacas. Sem tratamento adequado, o dano pode se tornar permanente, levando a doenças cardiovasculares, como insuficiência cardíaca, arritmias e até morte precoce.

Sintomas da cardiopatia reumática

Abaixo listamos os principais e mais recorrentes sintomas de cardiopatia reumática relatados em consultório, mas é preciso um adendo: os sintomas são semelhantes aos de outras condições graves ou não.

Por isso, ao perceber anormalidade com a presença de pelo menos um desses sintomas sem causa conhecida, busque a ajuda de um médico para investigar o problema o quanto antes, já que muitas vezes pode ser um sinal para o tratamento de enfermidades que são fatais ou debilitantes, sobretudo quando houver dor no peito e cansaço excessivo mesmo repousando.

A cardiopatia reumática pode causar uma variedade de sintomas, que variam conforme a gravidade da doença. Os principais sinais incluem:

  • Febre persistente, geralmente associada à inflamação.
  • Dor Articular (Reumatismo): dores migratórias, afetando principalmente joelhos, cotovelos, tornozelos e punhos. Também pode ocorre inchaço e vermelhidão nas articulações.
  • Alterações na Pele: Manchas avermelhadas (eritema marginado), bem como nódulos subcutâneos (caroços firmes sob a pele, próximos às articulações).
  • Falta de ar (dispneia), principalmente ao esforço ou deitado. Dor no peito, especialmente durante atividades físicas.
  • Sopro cardíaco (detectado no exame médico).
  • Taquicardia (coração acelerado sem motivo aparente).
  • Inchaço (Edema) nos pés, tornozelos e pernas.
  • Fadiga Extrema: cansaço excessivo mesmo após repouso.

Diagnóstico de cardiopatia reumática

O diagnóstico é definido após uma análise do histórico clinico do paciente, investigando se ocorreram infecções prévias por estreptococo ou febre reumática. Além disso é necessária a realização de alguns exames, sendo eles:

  • Exames físicos: ausculta cardíaca para detectar sopros.
  • Testes laboratoriais: ASO (Antiestreptolisina O), que confirma a infecção recente por estreptococo, e PCR e VHS, que avaliam a inflamação.
  • Ecocardiograma, que é o principal exame para avaliar lesões nas válvulas.
  • Eletrocardiograma (ECG), pois detecta arritmias.
  • Raio-X do tórax.

Tratamento para doença cardíaca reumática

É importante salientar que a doença cardíaca reumática é crônica, bem como os danos que ela causa às válvulas do coração serão permanentes. Logo, em muitos casos haverá acompanhamento continuo do caso desde o diagnóstico, a fim de evitar uma complicação.

A doença cardíaca reumática crônica terá diferentes protocolos de tratamento a depender sempre dos sintomas, idade do paciente, estado geral de saúde do paciente e a gravidade da condição.

Em casos considerados mais leves, é comum a recomendação médica de repouso em casa, seguido de terapia medicamentosa que pode incluir anti-inflamatórios, antibióticos, diuréticos, analgésicos, entre outros medicamentos que forem necessários para sanar os sintomas.

Já se a condição for grave e tiver lesionado a valva cardíaca, a internação será indicada.

Em casos de extrema gravidade, o paciente poderá ter a necessidade de se submeter a procedimento cirúrgico com o objetivo de substituir ou corrigir as valvas cardíacas danificadas.

É possível prevenir a doença cardíaca reumática?

Um protocolo indicado para a prevenção da doença cardíaca reumática é o uso de antibióticos durante todo o tratamento de pacientes que foram diagnosticados com febre reumática. Isso é necessário para evitar que ocorra recorrências da enfermidade, bem como reduz consideravelmente os riscos de uma cardiopatia residual grave. Dessa forma, também é possível reduzir o número de óbitos comuns em casos severos.

É de suma importância destacar que a duração do tratamento profilático é determinada por fatores como idade, histórico da doença e tempo desde o último episódio, podendo em certos casos ser necessário o uso contínuo da medicação por toda a vida.

Somente com o acompanhamento médico é possível saber qual a melhor orientação para cada caso e nenhum sintoma deve ser ignorado antes e após o diagnóstico.

A cardiopatia reumática é um desafio global de saúde pública

Como abordado anteriormente, a cardiopatia reumática surge como consequência da febre reumática, representando um importante problema de saúde mundial. A dificuldade de algumas regiões em todo o mundo em oferecer saneamento básico para a população se torna fator considerável para o desenvolvimento da doença.

Dados relevantes foram publicados pelo New England Journal of Medicine através do Global Burden of Disease Study (GBDS) 2015, que avaliou a prevalência regional e global desta condição entre 1990 e 2015.

Reconhecida como uma das principais causas de dano cardiovascular no século passado, a doença quase desapareceu nos países desenvolvidos após a melhoria das condições de vida e a introdução da penicilina na década de 1980.

Contudo, conforme demonstrado pelo GBDS 2015, a cardiopatia reumática permanece como um grave problema de saúde pública nas nações em desenvolvimento. O quase desaparecimento da doença nos países ricos resultou em crescente negligência por parte dessas nações.

Nas faculdades de medicina dos países desenvolvidos, é raro encontrar estudantes que tenham contato com casos de febre reumática aguda durante sua formação, o que dificulta o tratamento de pacientes nesses lugares, bem como reduz o número de conteúdos científicos disponíveis a nível global.

Embora a cardiopatia reumática afete predominantemente populações carentes, os países desenvolvidos não podem ignorar completamente esta condição. Nas últimas décadas, têm sido registrados surtos da doença mesmo em nações ricas.

Por isso, sempre que houver problema de garganta, sobretudo em crianças, um médico deve ser consultado para o adequado diagnóstico e tratamento precoce, evitando problemas futuros que possam afetar diretamente a qualidade de vida do paciente.

Dr. Ricardo Contesini

Médico cardiologista esportivo, especialista em cardiologia do esporte. Pós graduado em medicina esportiva pela Universidade Federal de São Paulo.

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